No âmbito do Projeto “É violência?”, cofinanciado pelo Programa Nacional de Financiamento a Projetos pelo INR, I.P. 2022, a Associação Portuguesa de Neuromusculares (APN) realizou uma investigação científica que procurou analisar o fenómeno da violência no âmbito da deficiência, principalmente, no que concerne à relação cuidador informal-pessoa cuidada. Este estudo surge no seguimento da realização do projeto “(In)Segurança na Deficiência”, onde se verificou a escassez de dados específicos sobre esta realidade em Portugal, aliado ao facto da APN, ao longo dos seus 30 anos de experiência, receber várias queixas e desabafos, tanto das pessoas com deficiência e/ou incapacidade (PDI) como dos seus cuidadores informais, de situações de agressividade, negligência, violência física e psicológica, entre outros tipos de maus-tratos.
O projeto “É violência?” contou com a participação ativa das pessoas com deficiência e/ou incapacidade e cuidadores de PDI, ao integrarem grupos focais sobre a temática, bem como na resposta aos inquéritos por questionário aplicados a cada um dos públicos. Contamos ainda com a participação de técnicos de organizações não governamentais das pessoas com deficiência (ONGPD) para uma leitura crítica aos resultados alcançados.
Da recolha de dados realizada, verificou-se que existem situações de violência na relação pessoa cuidada-cuidador, destacando-se algumas diferenças, mediante o público:
– Na ótica das pessoas com deficiência e/ou incapacidade, as situações em que experienciam atos de violência pelos seus cuidadores informais centram-se na imposição da sensação de “serem um fardo” para os seus cuidadores; a interferência dos seus cuidadores na tomada de decisão no que concerne às suas vidas, não permitindo o exercício ao direito à autodeterminação; e, ainda, o controlo das suas finanças. Além destes tipos de violência, destacam-se outros três mais recorrentes: o mau-trato psicológico (41,2% menciona que os seus cuidadores já lhes gritaram, ofenderam, insultaram e/ou humilharam); a negligência (36,2% ressalva que já lhes foi negado suporte afetivo/emocional pelos seus cuidadores); e o mau-trato físico (21,5% já foram vítimas de violência física por parte dos seus cuidadores informais).
– Relativamente aos cuidadores, estes destacam, essencialmente, a tentativa da pessoa com deficiência em controlar e condicionar a sua vida pessoal; o mau-trato psicológico, através de atos como a violência verbal (38% das pessoas com deficiência e/ou incapacidade já terão gritado, ofendido, insultado e/ou humilhado); o mau-trato físico (32,5% dos cuidadores já terão sido vítimas de maus-tratos físicos por parte das pessoas com deficiência e/ou incapacidade de quem cuidam); e a negligência (20,3% dos cuidadores já terão visto o seu bem-estar e cuidado desvalorizados pela pessoa com deficiência e/ou incapacidade de quem cuidam).
No que diz respeito à denúncia destas situações de violência, tanto as pessoas com deficiência e/ou incapacidade como os cuidadores informais mostram receio das consequências da denúncia de alguns dos maus-tratos que sofrem, principalmente, pela dependência das pessoas com deficiência e/ou incapacidade, sendo quase nulas as situações de denúncia.
Além das vivências de violência, a investigação procurou conhecer as perceções que as pessoas com deficiência e/ou incapacidade e os cuidadores informais têm sobre a violência nesta relação. Assim, perante a questão que dá nome ao projeto “É violência…?”, 21,6% das pessoas com deficiência e/ou incapacidade não considera violência quando o cuidador despreza e não satisfaz as necessidades das pessoas com deficiência e/ou incapacidade, e 29,7% dos cuidadores não considera violência quando a pessoas com deficiência e/ou incapacidade faz o cuidador sentir-se obrigado a cuidar, anulando a sua vida pessoal e social, e negligenciando o seu auto-cuidado e lazer.
Com a participação das técnicas de ONGPD na investigação, concluiu-se que:
– É extremamente difícil apurar situações de violência junto das pessoas com deficiência intelectual;
– A sobreproteção dos cuidadores leva a atitudes que condicionam a tomada de decisão e o próprio processo de autonomização das pessoas com deficiência;
– Os cuidadores apresentam dificuldades em identificar e em assumir atos violentos praticados pelas pessoas com deficiência, existindo uma desculpabilização constante para o efeito.
Da investigação, resultaram ainda outros dados igualmente importantes de se salientar:
– As pessoas com deficiência e/ou incapacidade destacam a comunicação infantilizada e o discurso direcionado para os cuidadores como um ato violento por parte da comunidade em geral;
– A escassez de respostas sociais que salvaguardem o descanso dos cuidadores informais, aliada à ausência da existência de outros cuidadores, agudiza o desgaste das relações entre as pessoas com deficiência e/ou incapacidade e seus cuidadores, originando algumas situações de violência como as elencadas anteriormente;
– O grupo de cuidadores informais participantes da investigação carateriza-se por ser, maioritariamente, do sexo feminino, evidenciando o papel maternal e de cuidadora da família, ainda bastante enraizado na sociedade portuguesa.
Com a divulgação dos resultados desta mesma investigação, a APN pretende informar e sensibilizar a comunidade para esta problemática, fomentando a consciência individual e coletiva, com vista à potencial denúncia e redução de situações de violência nesta relação de cuidado.
Se pretender ter acesso ao relatório final, por favor envie e-mail para info@apn.pt.